O levantamento Diretrizes de Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho, divulgado hoje (30) pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), identificou 19 tipos de tumores malignos que podem estar relacionados ao trabalho.
Além dos vilões já conhecidos como amianto, radiação solar e
agrotóxicos, o estudo inclui 112 substâncias cancerígenas identificadas
no ambiente de trabalho, como poeiras de cereal e de madeira (veja alguns exemplos na tabela abaixo).
O estudo mostra também que os casos mais comuns da doença relacionada
ao trabalho são leucemia, câncer de pulmão, no nariz, de pele, na
bexiga, na pleura e na laringe.
Salões de beleza
Cabeleireiros e funcionários de salões de beleza estão entre as
ocupações com alto risco de desenvolvimento de câncer, devido ao contato
direto com tinturas, formol e outras químicas.
De acordo com a coordenadora do estudo, Ubirani Otero,o documento serve
como alerta para a população, sobretudo, os trabalhadores e para as
autoridades, que devem reavaliar as políticas públicas hoje existentes.
Ela explicou que a relação câncer e trabalho no Brasil está
subdimensionada, o que prejudica o plano de ação de enfrentamento ao
câncer.
“É importante que o médico pergunte sobre o tipo de ocupação do
paciente com câncer e que as pessoas prestem mais atenção a que tipo de
substâncias estão expostos no seu dia a dia e que informem aos seus
médicos sobre isso”.
De acordo com o estudo, cerca de 46% dos casos de câncer relacionados
ao trabalho não são notificados por falta de mais informação a respeito.
Dos 113,8 mil benefícios de auxílio-doença por câncer dados pela
Previdência Social, apenas 0,66% estavam registrados como tendo relação
ocupacional.
Em países com mais pesquisas sobre o tema e políticas públicas voltadas
para o câncer relacionado ao trabalho, como Espanha e Itália, casos de
câncer ocupacional variam entre 4% e 6% do total de canceres e na
maioria das estimativas dos países industrializados esse tipo de câncer
corresponde a uma média de 5% dos casos da doença.
Veja alguns tipos de câncer por exposição ambiental e/ou laboral
Tipo de câncer | Agentes | Ocupações |
Cavidade oral, faringe e laringe | agrotóxicos, amiano, formaldeído, fuligem de carvão, óleo de corte, poeira de madeira, de couro, de cimento, de cereais, de tecidos, silica e solventes orgânicos | açougueiro, barbeiro, cabeleireiro, carpinteiro, encanador, instalador de carpete, mecânico de automóvel, mineiro, moldador e modelador de vidro, oleiro e pintor |
Mama | agrotóxicos, benzeno, campos eletromagnéticos de baixa frequência, campos magnéticos, compostos orgânicos voláteis, hormônios e dioxinas | cabeleireiro, operador de rádio e telefone, enfermeiro e auxiliar de enfermagem, comissário de bordo e trabalho noturno |
Pulmão | antineoplásicos, amiano, arsênico, asfalto, ácido inorgânico forte, acrinonitrila, berílio e compostos, cádmio, chumbo, emissão de forno de coque e de gases combustíveis, fuligem, gases (amônia, óxido de nitrogênio, dióxido de cloro e enxofre), inseticidas não arsenicais, manganês, níquel, silica livre cristalina, poeiras de: carvão, madeira, rocha/quartzo e de cimento, radônio, urânio e radiação ionizante | bombeiro hidráulico, encanador, eletricista, mecânico de automóvel, mineiro, pintor, soldador, trabalho com isolamento, trabalho em navios e docas, trabalho na conservação do couro, trabalho na limpeza e manutenção e soprador de vidro |
Estômago e esôfago | poeiras da construção civil, de carvão e de metal, vapores de combustíveis fósseis, óleo mineral, herbicidas e ácido sulfúrico | engenheiros eletricista e mecânico, trabalhadores de extração de petróleo, motoristas |
Bexiga | aminas aromáticas, azocorantes, benzeno, benzidina, cromo/cromatos, fumo e poeira de metais, agrotóxicos, hidrocartoneto policíclico aromático (HPA), óleos e petróleo | cabeleireiro, maquinista, mineiro, metalúrgico, motorista de caminhão, pintor, trabalhador de ferrovia, trabalhador em forno de coque e tecelão |
Leucemias e mielodisplasias | acrinonitrila, aminas aromáticas, agrotóxicos, antineoplásicos, benzeno, butadieno, compostos halogenados, óxido de metais, radiação, solventes e tricloroetileno | trabalhador do setor elétrico e trabalhador da cadeia de petróleo |
Pele não melanoma | arsênico, alcatrão, creosoto, fuligem, hidrocarbonetos policíclicos, luz solar, óleo mineral, radiação ultravioleta e ionizante | agentes de saúde, carteiro, pedreiro, pescador, salva-vidas, guarda de trânsito, trabalhador rural e vendedor |
Pele melanoma | campo eletromagnético, radiação ultravioleta e sol | carteiro, farmacêutico, instalador de telefone, mineiro, químico, operador de telefone, piloto de avião e serralheiro elétrico |
Mulheres
Ainda segundo a pesquisadora, a crescente inserção de mulheres em
certos setores do mercado de trabalho, antes exclusivos dos homens,
apontam para a necessidade de novas políticas voltadas para a saúde da
mulher.
“Hoje há muitas mulheres trabalhando em postos de gasolina, com maior
exposição ao benzeno; na construção civil, trabalhando com telhas de
amianto, cimento; como mecânicas, ou seja, em várias novas situações de
risco”.
Para o o diretor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e
Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Guilherme Franco Netto, a
publicação é inédita e mostra o tamanho do desafio para os
trabalhadores, gestores do Sistema Único de Saúde, do Ministério do
Trabalho, da Previdência no diagnóstico, na prevenção, assistência e
vigilância nessa área..
“Esse documento permite que organizemos integradamente [governos e
órgãos de saúde]os conjuntos de ações para combater o câncer relacionado
ao ambiente de trabalho. Hoje, as medidas são muito pontuais. Além de
nos dar suporte técnico, mostra uma dívida [do Estado] com a sociedade,
que deve ser prontamente sanada”.
Guilherme Netto lembrou ainda que após o boom industrial da década de
70, somente agora casos de câncer antes incomuns estão aparecendo e que é
fundamental diagnosticar esses casos, notificar e prevenir para que
novos casos não aconteçam. Segundo ele, os sindicatos têm um papel vital
principalmente no processo de prevenção.
“Ninguém do mercado vai apresentar uma lista dos problemas que um
empregado pode ter em função de determinado trabalho. O papel do
sindicato, por exemplo, é muito importante nesse sentido para alertar os
trabalhadores sobre essas substâncias”, completou Netto.
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