Há três anos o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking de consumo de
agrotóxicos no mundo. Um terço dos alimentos consumidos cotidianamente
pelos brasileiros está contaminado pelos agrotóxicos, segundo alerta
feito pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em dossiê
lançado durante o primeiro congresso mundial de nutrição que ocorre no
Rio de Janeiro, o World Nutrition Rio 2012, que termina nesta
terça-feira (1º).
O documento destaca que, enquanto nos últimos dez anos o mercado
mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o brasileiro aumentou 190%. Em 2008,
o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e assumiu o posto liderança,
representando uma fatia de quase 20% do consumo mundial de agrotóxicos e
movimentando, só em 2010, cerca de US$ 7,3 bilhões - mais que os EUA e a
Europa.
A primeira parte do dossiê da Abrasco faz um alerta sobre os impactos
dos agrotóxicos na saúde e na segurança alimentar. A segunda parte, com
enfoque no desenvolvimento e no meio ambiente, terá seu lançamento
durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, a Rio+20, e na Cúpula dos Povos na Rio+20, em junho, no Rio
de Janeiro.
Segundo um dos coordenadores do estudo, Fernando Carneiro, chefe do
departamento de Saúde Coletiva da UnB (Universidade de Brasília), “o
dossiê é uma síntese de evidências científicas e recomendações
políticas”.
“A grande mensagem do dossiê é que o Brasil conquistou o patamar de
maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Queremos vincular a ciência à
tomada de decisão política”, disse Carneiro ao UOL.
Soja é o que mais demanda agrotóxico
Segundo dados da Anvisa e da UFPR compilados pelo dossiê, na última
safra (2º semestre de 2010 e o 1º semestre de 2011), o mercado nacional
de venda de agrotóxicos movimentou 936 mil toneladas de produtos, sendo e
246 mil toneladas importadas.
Em 2011 houve um aumento de 16% no consumo que alcançou uma receita de
US$ 8,5 bilhões. As lavouras de soja, milho, algodão e cana-de-açucar
representam juntas 80% do total das vendas do setor.
Na safra de 2011 no Brasil, foram plantados 71 milhões de hectares de
lavoura temporária (soja, milho, cana, algodão) e permanente (café,
cítricos, frutas, eucaliptos), o que corresponde a cerca de 853 milhões
de litros de agrotóxicos pulverizados nessas lavouras, principalmente de
herbicidas, fungicidas e inseticidas. O consumo em média por hectare
nas lavouras é de 12 litros por hectare e exposição média ambiental de
4,5 litros de agrotóxicos por habitante, segundo o IBGE (Instituo
Brasileiro de Geografia e Estatística).
Segundo o dossiê, a soja foi o cultivo que mais demandou agrotóxico -
40% do volume total de herbicidas, inseticidas, fungicidas e acaricidas.
Em segundo lugar no ranking de consumo está o milho com 15%, a cana e o
algodão com 10%, depois os cítricos com 7%, e o café, trigo e arroz com
3% cada.
Maior concentração em hortaliças
Já para a produção de hortaliças, em 2008, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura),
o consumo de fungicidas atingiu uma área potencial de aproximadamente
800 mil hectares, contra 21 milhões de hectares somente na cultura da
soja.
“Isso revela um quadro preocupante de concentração no uso de
ingrediente ativo de 22 fungicidas por área plantada em hortaliças no
Brasil, podendo chegar entre 8 a 16 vezes mais agrotóxico por hectare do
que o utilizado na cultura da soja, por exemplo”, alerta o dossiê.
Numa comparação simples, o estudo estima que a concentração de uso de
ingrediente ativo de fungicida em soja no Brasil, no ano de 2008, foi de
0,5 litro por hectare, bem inferior à estimativa de quatro a oito
litros por hectare em hortaliças, em média. “Pode-se constatar que cerca
de 20% da comercialização de ingrediente ativo de fungicida no Brasil é
destinada ao uso em hortaliças”, destaca o estudo da Abrasco.
Riscos para a saúde
O dossiê revela ainda evidências científicas relacionadas aos riscos
para a saúde humana da exposição aos agrotóxicos por ingestão de
alimentos. Segundo Fernando Carneiro, o consumo prolongado de alimentos
contaminados por agrotóxico ao longo de 20 anos pode provocar doenças
como câncer, malformação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e
mentais.
Um fato alarmante foi a constatação de contaminação de agrotóxico no
leite materno, afirmou. Para o cientista, não se sabe ainda ao certo as
consequências para um recém-nascido ou um bebê que está em fase inicial
de formação. “Uma criança é altamente vulnerável para esses compostos
químicos. Isso é uma questão ética, se vamos nos acostumar com o nível
de contaminação do agrotóxico”, criticou.
Parte dos agrotóxicos utilizados tem a capacidade de se dispersar no
ambiente, e outra parte pode se acumular no organismo humano, inclusive
no leite materno, informa o relatório. “O leite contaminado ao ser
consumido pelos recém-nascidos pode provocar agravos a saúde, pois os
mesmos são mais vulneráveis à exposição a agentes químicos presentes no
ambiente, por suas características fisiológicas e por se alimentar,
quase exclusivamente, com o leite materno até os seis meses”, destaca o
estudo.
Recomendações
O dossiê da Abrasco formula 10 princípios e recomendações para evitar e
reduzir o consumo de agrotóxicos nos cultivos e na alimentação do
brasileiro. Carneiro defende a necessidade de se realizar uma “revolução
alimentar e ecológica”.
Segundo o IBGE, cerca de 70 milhões de brasileiros vivem em estado de
insegurança alimentar e nutricional, sendo que 90% desta população
consume frutas, verduras e legumes abaixo da quantidade recomendada para
uma alimentação saudável. A superação deste problema, de acordo com o
dossiê, é o desenvolvimento do modelo de produção agroecológica.
Carneiro e sua equipe composta por seis pesquisadores defendem a
ampliação de fontes de financiamento para pesquisas, assim como a
implantação de uma Política Nacional de Agroecologia em detrimento ao
financiamento público do agronegócio e o fortalecimento das políticas de
aquisição de alimentos produzidos sem agrotóxicos para a alimentação
escolar – atualmente a lei prevê 30% deste consumo nas escolas.
Além disso, o documento defende a proibição de agrotóxicos já banidos
em outros países e que apresentam graves riscos à saúde humana e ao
ambiente assim como proibir a pulverização aérea de agrotóxicos.
O cientista defende ainda a suspensão de isenções de ICMS, PIS/PASEP,
COFINS e IPI concedidas aos agrotóxicos. “A tendência no Brasil é
liberalizar ainda mais o uso de agrotóxico, só no Congresso Nacional
existem mais de 40 projetos de lei neste sentido. Nós estamos pagando
para ser envenenados”, criticou Carneiro.
FONTE-UOL
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